sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Entrevista com o Arnaldo Busato Filho

A chapa de situação, a XI de Agos­­­to, está à frente da OAB Paraná desde a década de 1970. O grupo vem sendo consecutivamente reeleito. É sinal que o trabalho vem sendo bem feito, não?

A Ordem perdeu um pouco da sua identidade. Ela teve um papel fundamental na luta contra a ditadura militar, foi a porta-voz da sociedade civil pelo restabelecimento do Estado Democrático. Porém, superados esses problemas, a Ordem passou a se deparar com novos de­­­­safios, mas com uma estrutura mui­­­to engessada. A OAB modernizou sua estrutura administrativa, mas adotou uma orientação burocratizante, em que um grupo, que detém a hegemonia há vários anos, acabou afastando-a dos an­­­­seios da classe. É necessário redirecionar a OAB. É quase necessário re­­­­­­­fundá-la. O nosso grupo tem uma proposta de preparar a Or­­­­dem para os dias de hoje e para no­­­­vas lutas institucionais. Hoje, a Or­­­­­dem tem que fortalecer e am­­­pliar a atuação do advogado, porque esse é o grande serviço que ela po­­­­de prestar à sociedade brasileira.

Quais serão os seus principais desafios à frente da OAB Paraná?

Justamente porque a gestão da OAB Paraná se afastou da advocacia, ela não atentou para a proletarização dos profissionais liberais, que vem assolando, de forma muito preocupante, a classe dos advogados. Nós temos um contingente enorme de advogados que vêm encontrando dificuldades para subsistir condignamente da advocacia. De outro lado, como a advocacia, para a sociedade, é percebida como a advocacia de litígio forense, nós nos ressentimos muito do descrédito que pesa sobre o Judiciário. O advogado, hoje, deveria estar ocupando outros campos, como a atuação na arbitragem, na conciliação, na mediação de conflitos, o que evitaria que uma gama enorme de litígios fosse ao Judiciário. A Ordem não vem dando a essas áreas a atenção que elas merecem. A OAB vem se preocupando apenas com sua fisiologia interna e tem deixado os verdadeiros e graves problemas que os advogados vêm enfrentando sem o devido questionamento.

Neste ano, a anuidade da OAB custa R$ 515, para advogados formados até o final de 2005, e R$ 464, para advogados iniciantes, formados a partir de 2006, se paga à vista; parceladamente, chega a R$ 658,90 no primeiro caso, e a R$ 599,50, no segundo. Faz parte dos seus planos à frente da OAB alterar tal valor?

É possível reduzi-lo, na medida em que as últimas gestões da OAB Paraná foram superavitárias, obtiveram um lucro financeiro bastante expressivo, a ponto de, inclusive, terem em torno de R$ 4 milhões em aplicações financeiras. Ora, como a OAB Paraná é uma instituição que não tem por finalidade a obtenção de lucro financeiro, esse superávit alcançado de­­­monstra que a Ordem pode, sim, reduzir o valor da contribuição obrigatória, a chamada anuidade, como também o valor dos seus serviços. Para que se tenha uma ideia, para se registrar uma sociedade comercial, na Junta Comer­­­cial, paga-se em torno de R$ 30 e se consegue o registro do contrato em cerca de 15 dias. Para se registrar uma sociedade de advogados, paga-se em torno de R$ 150 e não se consegue esse registro antes de 45 dias. Há outro problema sério: a Ordem dos Advogados, por sua própria natureza jurídica, não é auditada pelo Tribunal de Contas. A direção da Ordem presta contas para seu próprio Conselho. Então, não há a transparência necessária para que saibamos quais são os critérios que estão ditando o manejo dos recursos. Nós pretendemos adotar um modelo de orçamento participativo, discutindo, de forma bastante ampla e transparente, os critérios de repasse dos recursos financeiros.

Qual é sua posição sobre a estatização dos cartórios?

Esse problema da estatização dos cartórios ainda não gerou o debate mais apropriado. A estatização não sei se seria a melhor solução. Nós não podemos adotar uma solução linear para esse problema. O ideal é que tenhamos serventias judiciais que adotem uma gestão de serviços com padrões de qualidade, de excelência. Temos que mudar o atendimento e a estrutura das serventias judiciais, porque todos nós, cidadãos e advogados, somos mal atendidos pelas serventias judiciais existentes. É preciso verificar qual é o modelo ideal: o estatizado, o privatizado ou até mesmo o misto. O importante é que isso seja discutido de maneira criteriosa, sem darmos um viés político-ideológico à questão.

A eleição à presidência da OAB Paraná ocorre na próxima terça-feira. Uma última mensagem aos advogados eleitores?

Especialmente essas eleições são muito importantes porque estão provocando uma reflexão muito rica no seio da classe dos advogados. Temos que refletir sobre o papel atual da OAB e qual Ordem queremos para nossa classe. Temos de nos preocupar com os destinos da advocacia. O movimento que eu tenho a honra de liderar nasceu da insatisfação da classe com a atual gestão da OAB. Por isso temos a certeza de que a nossa mensagem é a que melhor corresponde às expectativas dos advogados paranaenses.

O que o sr. pensa do Exame de Ordem?

O Exame de Ordem é absolutamente imprescindível, mas não pode ser aplicado com um viés corporativista, para fechar as portas para os bacharéis em Direito ao ingresso na advocacia. Ele não pode ser utilizado, aplicado, com essa orientação. Portanto, ele deve ter um grau médio de dificuldade e deve ser elaborado de maneira a efetivamente medir conhecimentos médios daqueles que se propõem a advogar. Agora, é, de fato, um instrumento muito importante de controle. E a Ordem não pode ser responsabilizada pela má qualidade do ensino jurídico. A Ordem não pode assumir a culpa, ao reprovar um número grande de candidatos, pelo despreparo dos candidatos. A luta dos acadêmicos de Direito deve ser não contra o Exame de Ordem, mas contra a baixa qualidade do ensino jurídico. Os acadêmicos de Direito têm que exigir das faculdades que lhes ministrem um curso com qualidade, com padrão de excelência que possa capacitá-lo para ser aprovado no Exame de Ordem e outros concursos. A culpa é do ensino jurídico, não da Ordem. Mas a OAB tem que atuar com mais firmeza no controle de qualidade dos cursos.

Antigamente, ser advogado era o sonho da maioria dos estudantes de Direito. Atualmente, a maior parte dos estudantes quer, ao se formar, prestar concurso público. A quê o sr. atribui isso? Falta estabilidade profissional na advocacia?

Atribuo isso a diversos fatores. O primeiro é a saturação do mercado de trabalho. Esse é um dado da realidade. O segundo fator é a proletarização dos profissionais liberais. As profissões liberais, de forma geral, numa sociedade de consumo como a em que vivemos, vêm enfrentando crises. Exigem muitos desafios, muita criatividade, novas alternativas, para que possam se colocar no mercado de trabalho. E o terceiro fator é a busca por uma estabilidade financeira. Agora, há ai outro grave problema: como o número de vagas para as outras carreiras (magistratura, Ministério Público, delegado, etc.) são muito limitadas e a concorrência é muito grande, esse pessoal que não consegue aprovação, essa grande leva de candidatos reprovados, reflui para a advocacia.

Eles não terão outra saída que não voltarem a advogar, pelo menos por algum período. Então, eles acabam atuando na advocacia de forma transitória, passageira, visando à aprovação em outro concurso, e sem nenhum apoio, sem estrutura, e nem sequer condições de sobreviver na advocacia. Por isso é que observamos com preocupação práticas de desvios éticos, infrações disciplinares, por parte de advogados que, justamente por não conseguirem subsistir da profissão, acabam incorrendo nessas faltas para tentarem sobreviver da advocacia. Essa legião de advogados transitórios, que estão advogando somente até a aprovação no próximo concurso, realmente é bastante preocupante.

Agrava ainda mais os problemas vividos pela advocacia e exige atenção especial da OAB.

Recentemente, a Câmara dos Deputados aprovou sugestão, que agora vai virar projeto de lei, para fixar um piso salarial nacional aos advogados empregados.

O valor, para jornada de 36 horas semanais, seria de R$ 4,6 mil. O que o sr. pensa disso?

Esse é um tema que deve ser analisado com muito cuidado. Ele pode ser um gol contra, um tiro no pé da nossa classe. Se esse projeto for aprovado assim como está, ao invés de favorecer a classe, vai prejudicá-la. Porque vai fechar ainda mais as portas do mercado de trabalho, sobretudo para os jovens advogados.

Os grandes escritórios e empresas que costumam contratar advogados, diante de um piso como esse, podem rever as suas políticas de contratação e até desistirem de contratar. Mas a questão do valor é uma questão secundária. A ênfase tem que ser em se garantir, ao advogado empregado, condições condignas de exercer a sua profissão, garantias de permanecer contratado e de poder prestar seu trabalho advocatício com independência.

Segundo as estatísticas divulgadas na internet pelo Setor de Processo Disciplinar da OAB Paraná, o número de penas aplicadas a advogados (que se manteve por volta de 400 entre 2004 e 2006), triplicou de 2007 para 2008 – foi de 663 para 1.956. As suspensões foram de 534, em 2007, para 1.813, em 2008; e as exclusões, de 1 para 9, no ano passado.

Qual é sua percepção disso? Os advogados estão transgredindo mais os regramentos éticos da OAB ou estão sendo mais denunciados/investigados?

Esse é um fenômeno bastante complexo, que não pode admitir uma leitura linear.

Vários são os fatores desse problema. O primeiro fator é justamente a saturação do mercado de trabalho, o despreparo dos advogados, já que, muitos deles, incorrem em infrações por não estarem despreparados, por não terem condições técnicas e, às vezes, ético-profissionais, de lidarem com certos problemas inerentes à advocacia. E se deve também a uma atuação da Ordem, que tem sido mais firme nesse ponto, mas que devem ser considerada também perante critérios de avaliação estatística. Nós temos que considerar se esse número de punições corresponde efetivamente ao aumento estatístico dos advogados. Essa estatística parece-me que ainda não foi feita. A Ordem tampouco buscou fazer um diagnóstico da advocacia. A atual gestão, tempos atrás, lançou o diagnóstico do Poder Judiciário, consultou os advogados sobre os problemas vividos pelo Judiciário, quis colocar o Judiciário no divã, e apresentou um relatório do Poder Judiciário que até hoje não frutificou de maneira nenhuma. A Ordem deveria ter feito um diagnóstico da advocacia, não do Judiciário, debruçando-se sobre os problemas que a advocacia vem vivendo, vem enfrentando. Esse dado do aumento de punições disciplinares é bastante preocupante, que deve ser analisado não apenas por um prisma moralizante, mas também quanto às suas causas. Temos que pesquisar quais são os fatores para esse aumento de punições disciplinares e temos que atacar esses fatores. A Ordem não pode ter uma preocupação exclusivamente punitiva diante de um fenômeno como esse, mas também pedagógica.

Qual é sua posição sobre a falta de regulamentação da defensoria pública no Paraná? O que a OAB pode fazer nesse sentido?

Coisa que pouca gente sabe é que aqui no estado do Paraná já existe a carreira do defensor público. Há uma lei estadual que já instituiu a defensoria pública.

Falta, porém, regulamentá-la. Tramita, na Assembleia Legislativa, um projeto de autoria do deputado Caíto Quintana regulamentando a carreira de defensor público. Temos que apoiar esse projeto, porque o defensor público tem que ocupar um espaço que o advogado não consegue ocupar, na defesa de pessoas que são absolutamente carentes, sobretudo na área da execução penal. Isso sem prejuízo de que os defensores dativos, nas comarcas onde não houver defensoria pública, consigam recobrar aqueles convênios que o governo do Estado do Paraná tinha com a OAB no sentido de remunerar advogados que desempenhavam esporadicamente a defesa dativa de pessoas humildes. Isso tem que ser restabelecido, mas naquelas comarcas onde não há a defensoria pública.

Havendo a defensoria pública, esse papel é feito pelo defensor público.

Qual é o principal problema do Judiciário, como um todo? Como resolvê-lo?

O problema do Judiciário é o problema de toda a instituição de Estado, no nosso país. O tempo de reação do Estado em face das demandas sociais é muito lento. O Estado, de uma forma geral, tem uma estrutura muito pesada, muito deficitária, para reagir com rapidez e eficiência em face das demandas sociais.

Basicamente, o Judiciário se ressente de falta de recursos materiais e humanos. O Judiciário ainda trabalha com uma estrutura que estava apta a fazer frente às demandas de 50 anos atrás. O Judiciário ainda não se aparelhou, não adquiriu estrutura que lhe capacite para enfrentar os problemas da sociedade contemporânea. Agora, temos que entender também que o Judiciário não pode ser apontado como o grande culpado, não pode ser demonizado por essa situação. Há uma crise da Justiça, em si. E é preciso, então, que a sociedade de uma forma geral, e aí os advogados têm um papel importante, entendam que o Judiciário deve ser reservado para aqueles casos envolvendo direito público, aqueles casos mais graves. Por isso que devemos enfatizar outras vias de composição de conflitos, como a arbitragem, conciliação e mediação. Na medida em que nós buscarmos essas outras vias da autocomposição de litígios e da arbitragem, uma grande gama de processos deixa de ir para o Judiciário, deixa de assoberbar ainda mais o Poder Judiciário. O modelo estatal deve ser reservado para casos de direito público e casos mais graves, onde realmente a via autocompositiva e a via da arbitragem, de fato, são inviáveis. Os demais devem ser resolvidos fora do Poder Judiciário. O advogado hoje não está preparado para isso e não tem o apoio da OAB nesse sentido. A atuação da OAB ainda está muito presa àquele modelo de advocacia que se restringe à atuação em litígios forenses.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, em casos isolados, que o Ministério Público tem o poder de realizar investigações criminais. O que o sr. pensa sobre isso?

Esse debate envolve uma grande confusão. É preciso deixar bem claro que as funções de polícia judiciária só podem ser exercidas pela polícia judiciária, ou seja, pela polícia federal e pelas civis, no âmbito dos estados. O Ministério Público não tem atribuições nem estrutura para exercer atividades típicas de polícia judiciária. Agora, não se pode negar ao MP o poder de requisitar medidas investigatórias, de dar início a investigações, de provocar a atuação da polícia judiciária. Porque, se nós recusássemos isso ao MP, por uma questão de coerência, teríamos de recusar ao advogado o poder de provocar a jurisdição, propondo uma ação, requerendo medidas perante o Judiciário e perante as autoridades públicas. Então, o MP pode e deve pleitear medidas investigatórias, pode e deve ter iniciativa investigatória. O que o MP não pode nem deve fazer, sob pena de incorrer em graves desvios que até vão comprometer a eficiência de sua atuação, é tentar exercer atividades de polícia judiciária, pois essas demandam especialização, preparo e estrutura própria.

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